topo
linha2

Fotogaleria

 
» Home » Entrevistas » Isidro Sousa

 

Memórias de um Imigrante Peregrino em Terras do Canadá

Isidro de Sousa

Entrevista conduzida por: Manuel Cândido Martins
Fotos: Adiaspora.com
21 de Dezembro de 2010


 

Isidro de Sousa e Manuel Cândido Martins

ADIASPORA.COM: Tenho ao meu lado um terceirense de gema, que lutou na vida para ter um lugar ao sol e muita coisa fez. Não sabemos se alcançou os seus sonhos. Vamos entrevistá-lo para o portal Adiaspora.com e deixar aqui o seu testemunho para a posteridade. Senhor Isidro, diga-nos o seu nome completo, a sua idade e onde nasceu?

ISIDRO DE SOUSA: O nome é Isidro Machado de Sousa. Actualmente, estou com 86 anos de idade. Nasci na freguesia de Santa Luzia, Posto Santo, a 15 de Maio de 1924.

ADIASPORA.COM: O que se lembra da sua meninice?

IDS: No meu tempo de menino, o meu pai tinha vacas. Eu vendia leite com uma vaca na cidade e trabalhava na terra quando chegava da escola. Foi este o meu começo de vida. Como não gostava muito de vacas e  vendi pão, a seguir, trabalhei uns dias na faxina a acarretar pedra, mas também não gostei. Depois, como o meu pai tinha um moinho, trabalhei com ele lá. Fui crescendo e trabalhei nos moinhos alguns anos. Quando chegaram os ingleses, fui trabalhar para eles ali, na Pedreira. Em seguida, fui para as Lajes de chauffeur.

ADIASPORA.COM: Vamos retroceder um pouco. O Senhor Isidro nasceu no tempo quando ainda não havia muitos automóveis e os habitantes da Ilha Terceira usavam ainda transportes puxados por animais, tais como as carroças, os carros de bois e os charabanos, etc. O que nos pode dizer sobre este tipo de transporte?

IDS: Também fui carroceiro. Tive vários cavalos, uns bons e outros ruins, alguns que se recusavam mesmo a trabalhar! Mesmo assim, dava-lhes ração e tratava-os até que pudesse fazer alguma coisa com eles.

ADIASPORA.COM: Recorda-se ainda deste meio de transporte, que ia de freguesia em freguesia, quer nas toiradas, quer nos bodos, quando as estradas eram de macadame?

IDS: O transporte era cavalos, charabanos e carros de bois. Para a senhora dos Milagres na Serreta, Lajes e Biscoitos, iam aqueles carros antigos com bancadas, nos quais transportavam o pessoal para estas festas. Quem tinha carroça, ia de carroça. Quem não tinha, ia de carro de boi, ou a cavalo quem o tivesse. Um ou outro tinha bicicleta, mas, no geral, não havia este meio de transporte.

ADIASPORA.COM: Há pouco falou numa vaca, com a qual andava nas ruas da cidade de Angra do Heroísmo a vender leite ao copo. Poderá dizer-nos como isto veio a acontecer?

IDS: O meu pai comprou uma vaca e penso em vender leite para a cidade. Já tinha ouvido dizer que já antes havia gente com cabras a fazê-lo, mas nós ficamos com uma vaca. Claro, eu ia com a vaca - uma bezerrinha - e uma campainha, e quem quisesse um copo de leite, eu parava e dava a caneca. Esta era dividida entre aqueles que não tinham recipiente próprio. Também batia às portas de casas às quais fornecia leite.

ADIASPORA.COM: Sim, mas a vaca ia consigo e era mungida no local. Por que razão não fazia como os outros leiteiros, isto é, mungiam em casa e depois levavam o leite nas latas para vender?

IDS: Gostavam mais daquele leite porque era quente. Iam lá, punham cacau ou açúcar e tomavam aquele copo de leite. Até que alguns diziam que era receitado pelo médico. Alguns diziam isso, mas eu era miúdo e não acreditava em nada disso. Queria era o dinheiro. O que queria era 50 centavos, que era o preço do copo! Não gostavam muito da espuma, mas, às vezes, ia mais um bocadinho, para fazer um ganchinho também!

ADIASPORA.COM: Lembra-se em que anos exerceu esta actividade?

IDS: Oh, eu era rapaz! Sei lá. Nesse tempo, eu tinha talvez dez ou onze anos de idade. Não teria mais. Por volta de 1934 ou 35 talvez.

ADIASPORA.COM: Angra, em 1935, deveria ter sido um paraíso, para se andar na cidade despreocupado!

IDS: Pois não havia transportes, não havia quase automóveis nenhuns. Haveria – sei lá – uns cinco ou seis. Na Praça Velha, havia lá dois chauffeurs de praça que estavam para ir para a América e até gostavam de ordenharem a minha vaca, para beber o seu copo de leite. Eu deixava-os ordenhar e não me preocupava. Pagavam e, às vezes, algum dava-me uma gorjeta. Ordenhavam devagar e não faziam espuma!

ADIASPORA.COM: Tempos que já não voltam, caro amigo Isidro! Consta que foi para Angola. Isto, concerteza, foi quando teve de se alistar no serviço militar. Em que ano embarcou para o ultramar?

IDS: Em 1946. Regressei de Angola em 1948. Foi quando comprei o melhor cavalo que havia, na altura, em Angra. Nesse tempo, havia duas coisas boas na Terceira: eu em Angra e o Senhor João Laranjeira, nas Trunqueiras da Praia. Conversávamos muito quando vínhamos os dois. Funcionávamos, nesse tempo, como os automóveis hoje. Até quando a imagem da Nossa Senhora de Fátima visitou a Terceira, fomos esperá-la nas Lajes e o meu cavalo acompanhou os carros das Lajes para Angra. Era um cavalo bom! Era o que seria bom nesse tempo.

ADIASPORA.COM: O que pode contar-nos sobre as vivências desse tempo?

IDS: Uns viam melhor e outros pior, pela grande crise que vigorava então. Havia pouco trabalho e falta de muitas coisas! O meu pai era muito doente e, às vezes, estávamos à espera de completar uma dúzia de ovos para vender, para ir buscar qualquer coisa à mercearia para o nosso alimento. Esse tempo era muito miserável!

ADIASPORA.COM: Mas havia a matança do porco, aqueles folguedos e aquelas tradições, que ficaram na nossa memória e não mais nos deixaram...

IDS: Fui criado com essas tradições e sempre as mantive: as matanças e o hábito de ajudar o próximo com o que podemos...

ADIASPORA.COM: Sabemos que também foi taxista em Angra do Heroísmo. Era empregado ou a viatura era sua?

IDS: Não, nunca fui empregado. Nesse tempo, quando saí da Base da Lajes, comprei um carro. Cheguei a ter cinco automóveis: quatro carros de praça e um particular. Quem me ajudou muito foram o Senhor Pedro Cardoso, o Senhor José Garcia Tomé, do Pico, e o meu sogro. Fiz, então, uma vida boa. Fiz uma vida boa...

ADIASPORA.COM: Depois de todas estas voltas, ainda sabemos que teve também um restaurante. Qual o nome do estabelecimento e da rua onde se situava?

IDS: O restaurante era a “Casa do Pico” e ficava na Rua Santo Espírito. Tive esse restaurante quatro anos. Eu tinha sido fiador por uma quantia de vinte contos pela pessoa que lá se tinha estabelecido. Ele, coitado, foi-se abaixo e quis vender-me a casa e tive de ficar com ela. Depois, fui ter com o proprietário e disse-lhe que ia ficar com o restaurante. Este disse-me, “Deixe a casa!” “E eu vou perder vinte contos?” “Mais vale perderes os vinte contos de fiador e deixá-la, porque a casa não te dá. Não te vai dar! Irás fazer a casa, ter freguesia e isso tudo, mas não cobrirá as despesas!” Perdi lá muito dinheiro! Nem me quero lembrar do dinheiro que perdi naquele restaurante!

ADIASPORA.COM: Depois de todas estas experiências, emigrou para o Canadá. Em que ano e que idade tinha nessa altura?

IDS: Emigrei com 44 anos de idade, em 1958, penso eu. Mais ou menos isso.

ADIASPORA.COM: Veio casado e com filhos ou só?

IDS: Era já casado, mas trouxe um filho comigo. Estive dois anos em Montreal. Depois de ter a minha vida organizada, a minha mulher veio ter comigo. Em seguida, viemos para aqui (referindo-se à cidade de Toronto) e aqui vivemos até à morte dela. Estou incerto da data em que a minha esposa morreu...

ADIASPORA.COM: Como enfrentou a vida e cultura canadiana à sua chegada?

IDS: Simplesmente tive de enfrentar, pois quem vem para aqui, tem de tirar um casaco e vestir outro! Enfrentei a vida. Tive uma mercearia aqui, no início, com sócios. Depois, fiquei sozinho com o negócio. Tive uma mercearia com tudo! O estabelecimento chamava-se Sousa Meat Market e era na Queen Street West, entre a Lisgar e a Beaconsfield. Tinha carnes, peixe, vendíamos de tudo. Todas as semanas, tinha peixe. Ia buscá-lo ao Senhor Dias, na Dupont Street.

ADIASPORA.COM: Que vantagens e desvantagens lhe acarretaram esses negócios todos em que andou envolvido?

IDS: O pior contratempo que tive na vida foi a morte da minha mulher. A minha esposa faleceu e depois, passado algum tempo, vendi o negócio. Comprei um salão de bilhares com um sócio. Investi lá $80.000, mas como era o meu sócio que falava e escrevia inglês, este transferiu tudo para o seu nome e, ao fim de algum tempo, ficou com tudo e disse-me que eu não tinha nada ali! Depois, fui-me embora para Alberta.

ADIASPORA.COM: Como foi a sua vida na Província de Alberta, no oeste canadiano?

IDS: Um tanto ou quanto dura! Trabalhei para uma companhia de construção. Havia lá quatro bossas (encarregados ou capatazes) e os canadianos não queriam trabalhar! Eu trabalhava com um jackhammer (martelo pneumático) para os quatro encarregados. Uma vez ia para um, outra vez ia para outro. O ordenado era pequeno, mas os bossas auxiliavam-me. Se eu trabalhasse quatro horas, marcavam seis. Se fosse sete, marcavam oito. Depois, o trabalho começou a faltar naquela companhia. Fui então para a cidade de Edmonton, trabalhar numa fábrica de fazer cadeiras e secretárias. Trabalhei lá, não sei quantos anos, e, nesse tempo, tive um farm (quinta ou fazenda). Nesse farm, tive bezerros, porcos e galinhas. Gostava daquilo e, um dia, informei a minha família aqui, em Toronto, que eu tinha um farm. Os meus não acreditaram, porque no tempo do meu pai, eu não gostava da terra, nem de vacas, e eles não acreditavam. Tiveram de lá ir para acreditar, para verificar que, de facto, eu tinha um farm que estava a movimentar-se bem, e com bezerros! Todas as semanas, vendia porcos, ovos, fazia e vendia queijo, vendia galinhas, vendia de tudo! Todas as semanas, tinha dinheiro fresco!

Gabriela e Isidro Sousa

ADIASPORA.COM: Depois de todas estas peripécias, voltou para Toronto. Continuou a trabalhar ou reformou-se?

IDS: Já vim reformado de Alberta. Aqui, nunca mais fiz nada. Só ajudo quando alguém me pede alguma coisa.

ADIASPORA.COM: Também sabemos que participa no Clube Lusitânia, aqui em Toronto, desde a sua fundação.

IDS: A fundação do Sport Clube Lusitânia deu-se no tempo em que eu aqui cheguei, em 1958 ou 59 talvez.

ADIASPORA.COM: Foi criada uma Irmandade do Espírito Santo no Sport Clube Lusitânia e sabemos que é o Mordomo para a época de 2010/11. O que nos diz sobre os seus afazeres na Irmandade e os eventos agendados para o ano de 2011?

IDS: Não haverá mais eventos nenhuns! Acabarei o meu mandato e a minha missão passará para outro pessoal mais novo, pois já estou velho e não posso trabalhar! É bom para os novos, pois são os que têm possibilidades de o fazer.

ADIASPORA.COM: Mas sabemos que está programada uma cantoria para o próximo mês de Abril e que foi o senhor que a organizou. Ainda está no activo e participará neste evento, ou já desistiu?

IDS: Participarei ainda nesta cantoria, pois foi organizada pela actual Comissão, da qual faço parte. Será dirigida por nós. Temos cantoria nos dias 2 e 3 de Abril do ano que vem. Depois, temos as Festas do Espírito Santo e, nessa altura, finalizarei o meu mandato.

ADIASPORA.COM: Então estará ainda no activo em 2011!

IDS: Estarei, mas acabo nesse mesmo ano.

ADIASPORA.COM: Senhor Isidro de Sousa, foi um prazer tê-lo aqui connosco. Se houve alguma lacuna nas perguntas que lhe dirigimos, agradecíamos que avivasse a sua memória e acrescentasse mais alguma coisa.

IDS: Fui mordomo da festa do Espírito Santo das Crianças em Alberta no ano de 1985. Fomos só três que trabalhámos. Quando consultei o meu pessoal para se ir falar na carne, disseram que a coisa estava má e que eu tirasse à carne, que desse menos carne. Fui falar com os fornecedores e estes, por sua vez, recomendaram que se reduzisse outra coisa qualquer menos à carne! Trouxe a carne e fizemos a festa. Gastou-se 50 e tal mil dólares, mas ainda restou dinheiro para o lar dos idosos e para a igreja. Tivemos dinheiro para tudo! Gostava que visse - mas não tenho o registo todo em meu poder. Tenho alguma coisa, mas não tudo e o que possuo está arrumado - o que fizemos naquele ano: cantorias, matanças de porco, Festas do Espírito Santo, bezerros enfeitados e bailes. Tudo! Gostava que isso fosse divulgado...

ADIASPORA.COM: Isto significa que, em Alberta, envolveu-se mais nas lides sociais comunitárias do que aqui, em Toronto?

IDS: Não, não andei mais envolvido em Alberta. Em Toronto, já há muitos anos que participava nestas lides, e hoje ainda continuo!

ADIASPORA.COM: Senhor Isidro, o portal Adiaspora.com agradece a sua presença e o valioso testemunho de vida que partilhou connosco e com os muitos cibernautas que, diariamente, aportam no nosso sítio. Muito obrigado!

Isidro Machado de Sousa ladeado por José Ilídio Ferreira, (à esquerda)
e Manuel Cândido Martins (à direita), aquando da sua visita à sede do portal Adiaspora.com, em Toronto

 

 

Queremos ouvir a sua opinião, sugestões ou dúvidas:

info@adiaspora.com

 

Voltar para Entrevistas

bottom
Copyright - Adiaspora.com - 2007